Por Mica Noronha | Jornalista
As redações dos jornais ainda são, em muitos aspectos, verdadeiras trincheiras de resistência ao protagonismo feminino. Embora estejamos em pleno século vinte e um, a presença da mulher no jornalismo segue sendo frequentemente tratada com desconfiança, resistência velada e, não raro, com hostilidade disfarçada de formalidade. O machismo estrutural que perpassa a sociedade brasileira não ficou de fora das salas de reunião, das editorias e dos bastidores da imprensa. Ele se disfarça com elegância, mas ainda está presente, sussurrando que o comando é masculino e que as mulheres devem ocupar um lugar decorativo ou secundário.
Essa rejeição não acontece sempre de forma explícita. A sutileza da exclusão é o que torna tudo mais cruel. Mulheres jornalistas são interrompidas nas reuniões, suas sugestões são ignoradas até que algum colega homem as repita com outras palavras. São pressionadas a provar competência diariamente, mesmo quando já a demonstraram repetidas vezes. E quando ousam ocupar cargos de chefia, enfrentam olhares tortos, comentários maliciosos e sabotagens silenciosas.
Há também o fardo da aparência. Diferente de seus colegas homens, as jornalistas mulheres ainda são julgadas pelo modo como se vestem, pelo tom de voz que utilizam, pelo comprimento do cabelo, pela idade. Se são jovens demais, são vistas como inexperientes. Se têm mais de quarenta, são consideradas ultrapassadas. Nunca há um ponto de equilíbrio. Estão sempre sob avaliação. Sempre em observação.
A redação, que deveria ser um espaço de liberdade, pluralidade e respeito às diferentes vozes da sociedade, ainda é, para muitas mulheres, um campo de batalha. A luta começa cedo, nas universidades, onde meninas já precisam ouvir que o jornalismo investigativo ou político é território masculino. Depois, vêm os estágios mal remunerados, os plantões que não respeitam a maternidade, as promoções que nunca chegam, os convites para coberturas importantes que vão sempre para os homens.
Não faltam exemplos de mulheres brilhantes, talentosas e preparadas que foram silenciadas ou empurradas para áreas consideradas mais “leves”, como comportamento, moda ou cultura, enquanto as grandes decisões editoriais continuam nas mãos dos homens. É como se houvesse um teto invisível que limita até onde uma mulher pode chegar dentro de uma redação. Quando ela ousa romper esse limite, a reação quase sempre é agressiva. Como se ela estivesse invadindo um território sagrado.
Mas a resistência existe. E ela é forte. Mulheres jornalistas têm se unido, apoiado umas às outras, criado redes de proteção, denunciado abusos, exigido espaço, voz e respeito. Elas não pedem permissão para existir no jornalismo. Exigem o que é justo. O que é direito. O que é urgente.
A verdade é que a imprensa só será verdadeiramente livre e plural quando as mulheres puderem escrever, editar, chefiar e opinar sem medo. Quando não forem mais uma cota de diversidade, mas parte integrante e indispensável da construção da notícia. Quando a presença feminina deixar de ser tolerada e passar a ser valorizada.
A pergunta que deixo, com o coração cheio de esperança, mas também com a alma marcada por tantos silêncios impostos é: até quando os jornais vão ignorar a força das mulheres que constroem, com coragem e inteligência, o futuro do jornalismo?